sábado, 20 de fevereiro de 2010

Porquê os governos têm dificuldades de se verem livres da corrupção?


Apesar do conjunto estabelecido de conhecimentos teóricos, bem como de alguns resultados experimentais sobre as causas e consequências da corrupção, especialistas do Fundo Monetário
Internacional consideram que diversas outras questões precisam de ser respondidas para permitir aos governos a elaboração de políticas efectivas destinadas a enfrentar a corrupção. Vamos a uma delas: «Se os custos da corrupção são tão elevados, por que os governos não se livram dela?» Uma das possíveis respostas é que, uma vez instalado um sistema corrupto dentro do qual opera uma maioria de pessoas, os indivíduos não têm estímulo para tentar mudá-lo ou contê-lo. Considerem-se os seguintes exemplos:
1. Você vive numa sociedade em que todo mundo rouba. Você opta por roubar? A probabilidade de que você seja apanhado é pequena, porque a policia tem muito trabalho na caça de outros ladrões e, ainda que fosse apanhado, as hipóteses de você receber punições pesadas por um crime que é tão comum são pequenas. Portanto, você também acabará por roubar. Mas se você vive numa sociedade em que o roubo é raro, as probabilidades de ser preso e punido são altas, e por isso você opta por não roubar.
2. Você é um funcionário público em começo de carreira numa administração em que todos, inclusive os seus superiores, são muito corruptos. Alguém lhe oferece um suborno para que você o ajude a livrar-se do pagamento de um imposto. Você declina a oferta.
Algumas horas depois, recebe um telefonema do seu chefe, que gostaria de levar uma fatia do suborno.
O seu chefe sugere que se você tratar um amigo atenciosamente (aceitando suborno), poderá ser promovido, e que, se não o fizer, poderá ser transferido para uma repartição afastada do interior.
Você aceita então o suborno e o divide com o chefe e os colegas.
Se, porém, administração em que você está a começar a trabalhar é honesta, provavelmente você se comporta com honestidade para evitar o risco da demissão.
3. Os indivíduos A e B são membros do mesmo governo.
Suponha-se, de um lado, que A é muito corrupto e que estabeleceu um sistema de arrecadação para o seu próprio ganho. A necessidade de pagar subornos substanciais reduz os incentivos dos empresários a investir e impõe um ónus significativo ao crescimento económico.
Os cidadãos constatam que o crescimento económico está a ser prejudicado pelo governo corrupto, embora não saibam exactamente que está a exigir subornos.
Decidem, portanto, não reeleger o governo. Isso estreita os horizontes de B, tornando-o mais inclinado a extrair o máximo que puder das possibilidade actuais e desrespeitar quaisquer efeitos adversos que se possam seguir sobre os resultados futuros. Noutras palavras, B procurará conseguir uma boa fatia do bolo hoje, por saber que o governo de que participa sairá logo de cena.
Por outro lado, se A não aceitasse subornos, B também evitaria fazê-lo.
O último exemplo fornece uma explicação não apenas para a persistência da corrupção mas também para a observação empírica de, em média, os países mais corruptos tendem a ser politicamente mais instáveis. Ele também sugere que a corrupção e a instabilidade política podem resultar de falha de membros do mesmo governo ou da elite dominante em coordenar as suas acções. Neste sentido, a corrupção e a instabilidade política podem ser os dois lados da mesma moeda. Esse exemplo enquadra-se nos casos de países que são vítimas de frequentes golpes de Estado, onde regimes corruptos se sucedem uns aos outros. Mas, ao mesmo tempo, ele não explica numerosos outros casos, como os de ditadores que permaneceram no poder durante muitos anos por permitirem a seus defensores que recolhessem grandes subornos ou os de governos formados por grupos de indivíduos que têm sido capazes de concordar com níveis de suborno elevados, mas não tão elevados a ponto de provocar a sua saída governo.
De acordo com os especialistas do FMI, todos os exemplos acima mostram que, depois que a corrupção se enraíza, é muito difícil livrar-se dela. Como resultado, a corrupção tende a persistir, juntamente com as suas consequências adversas. Isso leva a uma importante conclusão em matéria de políticas, que é coerente com a experiência internacional ao longo das últimas décadas. As tentativas de eliminar a corrupção tendem ser bem-sucedidas quando se empreendem reformas de maneira súbita e vigorosa, com o apoio dos níveis mais altos do governo.
in "Semanário Angolense", n.º 355, 20 Fevereiro 2010, p.12.

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