É impossível conseguir uma entrevista com um ministro do governo português. Quem o diz é a presidente da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, a jornalista brasileira Adriana Niemeyer. Acrescenta: "Mesmo quando explicamos que queremos falar do avanço tecnológico, de inovação - enfim, promover Portugal no estrangeiro. Nem assim. Somos barrados pelos assessores." A frota dos assessores, imensa, tem a missão patriótica de fazer dos governantes a nova e inacessível ilha dos Amores: um território de sonho e evasão. Não inventaram eles que Chico Buarque anelava por conhecer o nosso primeiro-ministro? A origem do problema está nos assessorados - no modo como se rodeiam de cortesãos para se protegerem do embate do povo, ou seja, da realidade.
Imbuída do nobre sentimento de salvar a imagem da nação, expliquei a Adriana Niemeyer que não se trata de um ostracismo particular do Poder português para com os jornalistas estrangeiros: qualquer associação de cidadãos que queira apresentar um projecto a uma instância decisória sente essa mesma dificuldade; na melhor das hipóteses, é recebida pelo assessor do assessor que lhe dirá que vai transmitir a proposta a quem de direito - e nunca mais terá uma resposta. A não ser que seja filho ou afilhado de alguma personalidade importante, de preferência do mundo empresarial. Seria interessante fazer um levantamento do número total de assessores nos vários graus da administração pública - e compará-lo com esse mesmo número nos outros países europeus, a começar pelos nórdicos, que tanto (e tão justamente) gabamos como exemplares na gestão da coisa pública.
O provincianismo de Portugal manifesta-se nestes sinais que radicam numa concepção perigosamente autoritária e atávica do exercício do poder. Raros são os políticos que entendem o exercício de um cargo de poder como um serviço à comunidade e uma função transitória e que não se deixam transformar pelas mordomias, as excelências e as louvaminhices. O passo, o olhar, o modo de falar, as vestimentas - tudo se lhes põe a rutilar como cauda de pavão. E nunca mais regressam ao normal - até porque normalmente saem da política activa para os negócios interactivos, com bólides, lucros e sossegos superiormente cintilantes.
Ainda assim, alguns acusam depois uma carência de palco quase patológica, que vão suprindo com jantares de homenagem, traições póstumas ou, à falta de melhor, comentários verrinosos estrategicamente disseminados. A história do ressentimento nunca é bonita e quanto mais pequeno é o país mais estragos faz. Uma maior proximidade entre eleitos e eleitores seria altamente recomendável - e favoreceria a transparência, que é (além da educação, da qual aliás decorre) a base da receita do sucesso dos tais países nórdicos.
A Finlândia lidera a lista dos cem melhores países do mundo, segundo uma eleição da revista "Newsweek". Apesar da alta taxa de suicídios desse país - porque o conceito de "qualidade de vida" foi desenhado a partir de indicadores objectivos como a saúde, a segurança e a oportunidade de alcançar um razoável nível económico. Ora o ser humano é subjectivo e valoriza aspectos difíceis de medir, como um dia de sol ou uma noite estrelada. Portugal ficou, nesta tabela, em vigésimo sétimo lugar - logo abaixo da Grécia e seis postos abaixo da Espanha, que recebe um destaque especial como "o melhor país para comer", o que é objectivamente injusto em relação à gastronomia portuguesa.
Por mim, não tenho dúvidas que preferia viver em Moçambique (95º) do que na Arábia Saudita (64º). Como preferia viver em Itália (23º) do que na Suécia (3º). E a todos estes preferiria sem dúvida o Brasil (48º). São os tais factores subjectivos. Mas é importante que entendamos o que faz com que alguns países se destaquem e consigam ultrapassar obstáculos inclementes, como o clima ou a falta de riquezas naturais e outros, mais dotados pela natureza, não consigam tornar-se atractivos.
Portugal tem uma beleza e uma variedade paisagística invulgares, um clima extraordinariamente ameno, um conjunto precioso de monumentos (em geral muito mal estimados e antipromovidos), uma gastronomia riquíssima, boa assistência médica, uma produção cultural intensa (embora mal tratada), uma população historicamente acolhedora e aberta ao desconhecido. Falta-lhe vontade. Falar com os jornalistas estrangeiros seria um bom princípio: eles percebem porque é que Portugal é bom.
Texto publicado na Revista "Expresso/Única", 28 Agosto 2010
Imbuída do nobre sentimento de salvar a imagem da nação, expliquei a Adriana Niemeyer que não se trata de um ostracismo particular do Poder português para com os jornalistas estrangeiros: qualquer associação de cidadãos que queira apresentar um projecto a uma instância decisória sente essa mesma dificuldade; na melhor das hipóteses, é recebida pelo assessor do assessor que lhe dirá que vai transmitir a proposta a quem de direito - e nunca mais terá uma resposta. A não ser que seja filho ou afilhado de alguma personalidade importante, de preferência do mundo empresarial. Seria interessante fazer um levantamento do número total de assessores nos vários graus da administração pública - e compará-lo com esse mesmo número nos outros países europeus, a começar pelos nórdicos, que tanto (e tão justamente) gabamos como exemplares na gestão da coisa pública.
O provincianismo de Portugal manifesta-se nestes sinais que radicam numa concepção perigosamente autoritária e atávica do exercício do poder. Raros são os políticos que entendem o exercício de um cargo de poder como um serviço à comunidade e uma função transitória e que não se deixam transformar pelas mordomias, as excelências e as louvaminhices. O passo, o olhar, o modo de falar, as vestimentas - tudo se lhes põe a rutilar como cauda de pavão. E nunca mais regressam ao normal - até porque normalmente saem da política activa para os negócios interactivos, com bólides, lucros e sossegos superiormente cintilantes.
Ainda assim, alguns acusam depois uma carência de palco quase patológica, que vão suprindo com jantares de homenagem, traições póstumas ou, à falta de melhor, comentários verrinosos estrategicamente disseminados. A história do ressentimento nunca é bonita e quanto mais pequeno é o país mais estragos faz. Uma maior proximidade entre eleitos e eleitores seria altamente recomendável - e favoreceria a transparência, que é (além da educação, da qual aliás decorre) a base da receita do sucesso dos tais países nórdicos.
A Finlândia lidera a lista dos cem melhores países do mundo, segundo uma eleição da revista "Newsweek". Apesar da alta taxa de suicídios desse país - porque o conceito de "qualidade de vida" foi desenhado a partir de indicadores objectivos como a saúde, a segurança e a oportunidade de alcançar um razoável nível económico. Ora o ser humano é subjectivo e valoriza aspectos difíceis de medir, como um dia de sol ou uma noite estrelada. Portugal ficou, nesta tabela, em vigésimo sétimo lugar - logo abaixo da Grécia e seis postos abaixo da Espanha, que recebe um destaque especial como "o melhor país para comer", o que é objectivamente injusto em relação à gastronomia portuguesa.
Por mim, não tenho dúvidas que preferia viver em Moçambique (95º) do que na Arábia Saudita (64º). Como preferia viver em Itália (23º) do que na Suécia (3º). E a todos estes preferiria sem dúvida o Brasil (48º). São os tais factores subjectivos. Mas é importante que entendamos o que faz com que alguns países se destaquem e consigam ultrapassar obstáculos inclementes, como o clima ou a falta de riquezas naturais e outros, mais dotados pela natureza, não consigam tornar-se atractivos.
Portugal tem uma beleza e uma variedade paisagística invulgares, um clima extraordinariamente ameno, um conjunto precioso de monumentos (em geral muito mal estimados e antipromovidos), uma gastronomia riquíssima, boa assistência médica, uma produção cultural intensa (embora mal tratada), uma população historicamente acolhedora e aberta ao desconhecido. Falta-lhe vontade. Falar com os jornalistas estrangeiros seria um bom princípio: eles percebem porque é que Portugal é bom.
Texto publicado na Revista "Expresso/Única", 28 Agosto 2010
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