domingo, 13 de junho de 2010

Angolanos de Sucesso - Waldemar Bastos

"Não abandonei Angola. Fui para o estrangeiro, como muita gente" Waldemar Bastos
De partida para Los Angels será lançado oficialmente no próximo dia 25 de Julho o seu novo trabalho, com algumas músicas acompanhadas pela London Symphony Orchestra.

Entrevista


Como foi o início da carreira?

Waldemar Bastos: Foi em Cabinda. Aprendi a tocar guitarra com o meu irmão, o Lúcio Bastos e dois colegas, Carlos Freitas e Fernanda Gomes. Íamos a casa de um professor de música aos fins de tarde.

JA: Como nasceu o desejo de cantar?

WB: Foi natural. A resposta que posso dar hoje é que isso já vem pré-destinado.

JA: Tem algum familiar músico?

WB: O meu pai era organista da Sé Catedral de Luanda. Fazia o acompanhamento da música sacra.

JA: Que avaliação faz da sua carreira?

WB: Faço o que sempre quis. Estava a estudar engenharia, mas sentia que não tinha vocação para aquilo. Todos temos as nossas vocações. Estou a cumprir a minha vocação. Não foi nada fácil, mas sendo um apelo profundamente interior, acho francamente a minha carreira positiva.

JA: Teve dificuldades para se impor?

WB: Tive dificuldades de diversa ordem.

JA: Qual foi a reacção dos seus pais quando optou por ser músico?

WB: Tenho muito a agradecer ao meu pai, que já morreu, e também à minha mãe, porque nunca me castraram. Na altura, os pais tinham receio que os filhos se dedicassem à música e deixassem os estudos de lado. Os meus pais, pelo contrário, ainda me incentivaram. E eu só tinha sete anos quando comecei.

JA: Qual foi o seu desempenho como estudante, estando apaixonado pela música?

WB: Olhe, cheguei à universidade, cheguei ao segundo ano de Engenharia, trabalhei na Marconi. Fui um aluno razoável, embora não me dedicasse aos estudos.

JA: Waldemar Bastos não é dos músicos mais populares. Há uma explicação para isso?

WB: Saí do país num momento complicado da nossa História. Nasci artista e vou morrer artista. Precisava de dar azo à minha música senão faria mal a mim mesmo. Um artista que não consegue expor o seu trabalho, a sua alma, está sujeito a problemas de toda a ordem. Estávamos numa situação em que todos os esforços se viravam para a guerra

JA: Em que ano deixou Angola?

WB: 1982. Não abandonei Angola. Fui para o estrangeiro, como muita gente, na certeza de que estava a fazer o melhor. Por isso é que a minha música, mesmo sem ter passado muito cá, se mantém e se revitaliza. A juventude angolana e jovens de todo o mundo cantam músicas minhas, em várias línguas. E isso orgulha-me mais quando acontece cá, porque o nosso centro de gravidade é sempre a nossa terra. A voz da alma, da arte, fala mais alto e não obedece a bloqueios. O que fiz foi simplesmente cantar a minha alma, a alma de Angola, porque nasci aqui, no berço da cultura Africana que é Mbanza Congo. Eu tinha essa profundidade dentro de mim. Quis voar e isso criou, logicamente, anti-corpos.

JA: Como foi recebido fora de Angola?

WB: Gradualmente fui ganhando respeitabilidade. Toda a gente percebeu que não caí de pára-quedas. Faço parte da Galeria da Música Universal. Isso honra-me e deve honrar todos os angolanos.

JA: Galeria da Música Universal?

WB: Sim. Há pouco tempo fui honrado com a presença do meu nome num dos maiores livros da música contemporânea, ao lado de Beethoven, Mozart e Jean Sebastian Bach, que é o maior. Isso, além do Awards que ganhei e do destaque na imprensa internacional, me agrada porque eu nunca quis aparecer na capa de um disco simplesmente para me mostrar, eu faço arte.

JA: Do que depende o sucesso de um músico?

WB: Honestidade no que faz, verticalidade, seriedade, pontualidade e perseverança.

JA: O que o inspira quando escreve as letras? A canção Velha Xica foi baseada em factos reais?

WB: Bem reais. Fiz essa música aos vinte anos. A minha avó materna, Ângela, falava-me muito da avó Xica, mãe do meu pai, que não conheci, e chamava-me à atenção para os perigos daquele tempo. As pessoas, às vezes, iam a uma festa e não voltavam. Iam para a Pide, eram torturadas e mortas. Simplesmente dei à letra o nome da minha avó Xica, que é mais abrangente. A avó Ângela não dormia enquanto eu e os meus primos não chegássemos. Foi um desabafo, uma homenagem a todas as mães e avós do mundo. É uma canção querida em todo o mundo. Passou a ser propriedade da humanidade.

JA: Porquê a expressão “Xé menino não fala política” na música Velha Xica?

WB: Porque era isso que a minha avó dizia. Quando eu ia às festas ela dizia: Xé menino, cuidado! Xé menino, não fala política! Viste o filho daquela senhora, da tia fulana? Não fala política, menino! É uma expressão da minha avó. De todas as avós. E eu consegui fazer uma música com a expressão de todas as mães e avós daquele tempo, porque todas elas tinham medo de perder os filhos

JA: Que tipo de criança foi?

WB: Humilde. Tive uma infância bonita. Sou o caçula de dois enfermeiros, vivi no Marçal. Lembro-me da velha Maricota, do senhor Jacinto das farras, senhor Lutero da popa, a Xiló, a família Sá Lemos, a escola da Makambira, onde estudei, enfim, brinquei como as outras crianças na lagoa do Bairro Indígena, corri com arco, trotinete, calção roto no rabo, era uma criança alegre e curiosa. A minha infância foi saudável e bem angolana. Os meus pais nunca foram severos e eu também sempre soube respeitá-los .

JA: O que sente um músico quando agrada ao público?

WB: Nunca fiz música pensando em encher os bolsos. Vivo da música, talvez pela minha honestidade e pelo talento que Deus me deu. Nunca me vendi. Sou cristão e descobri que quando canto não estou a fazer mais do que a minha missão de oferecer às pessoas a beleza, a fraternidade e a harmonia. Quando as pessoas querem me dar abraços, apertos de mão e sorrisos, não será essa a maior conta bancária que tenho? Como é possível que, estando eu tanto tempo fora do país, exista essa ligação com o público? Aquilo que cantei foi sincero e honesto. Falo a linguagem da alma e essa não precisa de tradutor. É a explicação que dou para um reconhecimento, até das novas gerações, ao meu trabalho.

JA: Tem algum descontentamento ou mágoa?

WB: Não. Não mesmo. Estou a falar francamente. Não tenho mágoas porque tenho a compreensão da história, da sociologia humana, da inveja. Quando um indivíduo tem uma estética e está sozinho, até vingar essa estética, atravessa vários desertos, como foi o meu caso. Mas como eu estava a cantar a beleza das coisas que Deus fez, quando se fecharam algumas portas, abriram-se várias janelas.

JA: Tem admiração por algum músico angolano?

WB: Tenho admiração por Liceu Vieira Dias. Era um homem íntegro. Tenho admiração por todos os artistas que, como eu, deram o seu contributo na Luta de Libertação Nacional.

JA: Que relação tem com os mais novos?

WB: É excelente. Sou saudado, abraçado, acarinhado, procurado e também dou carinho. Os Génesis, por exemplo, já trabalharam comigo. Dou-me bem com todos. Posso dizer que nove meses antes de perdermos o Teta Lando, estivemos na Ilha de Luanda a almoçar com o Lamartine e ficámos juntos, da uma da tarde à uma da manhã, virados para o mar a comer peixe e a conversar. Cantei com a Margareth do Rosário, dou-me bem com o Matias Damásio, Nelo de Carvalho, o Simone Massini, a Afrikanitha, o Prado Paim. A minha relação com os jovens é óptima.

JA: Quando pensa voltar ao país definitivamente?

WB: Estabelecer-me fisicamente. Porque espiritualmente sempre estive aqui. Vontade não falta, mas não tenho casa cá. Vivo da música e estou a tentar dar passos concretos para voltar ao país.

JA: Para quando um espectáculo?

WB: Esse ano vai haver. Também gostava de fazer um no CAN-2010. Vou falar com as entidades responsáveis. Quero apresentar um espectáculo porque faço música angolana e africana e a dimensão que o CAN representa, mostrará ao mundo que em termos culturais somos fortes. Quero dar o meu melhor junto de outros colegas, tocando com uma banda feita cá, que mostre a África e ao mundo a dimensão universal da música angolana.

JA: Disse recentemente que o seu próximo trabalho vai ter “dimensão universal”? Pode explicar o que quer dizer com isso?

WB: Agora que temos paz, estamos a renascer com ânimo, luz e vibração. Surgiu-me a ideia de vestir as nossas bessanganas com os trajes mais nobres. Considero as minhas músicas os clássicos da minha alma e vou incluir no disco músicas do N’gola Ritmos e também minhas, como é o caso de “Velha Xica”, “Laranja” e outras inéditas que regravei com uma dimensão sinfónica. As orquestras sinfónicas, pelo ambiente que criam através de toda a conjugação de instrumentos, tocam músicas muito sublimes. Quero pôr a música de Angola nessa dimensão e, como tenho capacidade para o fazer com humildade e sem complexos, estou a catapultar Angola para a dimensão maior da música mundial.

JA: Existem músicos africanos como Salif Keita, Cesária Évora, Manu Dibango, que fazem sucesso internacional. Porque razão os angolanos raramente chegam às esferas internacionais?

WB: Temos de analisar os anos que o Salif, a Cesária e o Manu Dibangu tiveram que lutar para chegar onde estão. Para nos afirmarmos no universo internacional temos que ter perseverança, preservação de qualidade e várias outras alíneas. Vão surgir cantores angolanos a internacionalizar-se, mas temos de esmerar, polir o diamante. Cada vez mais se nota que a nossa qualidade está a aumentar e esse é o caminho. Dizem que a música veio de África, particularmente de Angola. Temos um grande manancial para explorar, por isso é que eu e o malogrado Teta Lando nos preocupámos com essa dimensão.

JA: Que comparação faz da música angolana do seu tempo e a dos dias de hoje?

WB: Há uma grande diferença. É preciso, na minha perspectiva, voltar à guitarra e ao violão angolanos. O nosso violão contém os arquétipos da alma. O estilo que toca o Carlitos Vieira Dias, o que toco eu, o que tocava o velho Liceu, cada um com o seu estilo, claro, mas dentro dos arquétipos da alma angolana. Isso é importante também para a internacionalização. A utilização electrónica deve ser um meio e não um fim. A grande riqueza da música angolana está na sua simplicidade, harmonia e melodia. Mas há um regresso às fontes, porque estamos agora num momento de paz em que o espírito fica mais aberto e há tempo para reflectir.

JA: Quantos discos tem gravados?

WB: Cinco. Em 1982, lancei o “Estamos juntos”, em 1990, “Angola minha namorada”, 1992, “Pitanga madura”, 1997, “ Black Lite/ Preta Luz” e em 2004, “Renascença”.

JA: Vai reeditar essas obras?

WB: Estou preocupado porque as pessoas vêem ter comigo e pedem os meus discos anteriores. Estou a trabalhar para que no próximo ano os discos estejam todos à disposição do público.

JA: Na sua opinião qual é o papel do Ministério da Cultura no desenvolvimento da música?

WB: Posso dizer claramente que a ministra da Cultura é uma pessoa com grande capacidade. Conheço-a há muito tempo e, na minha forma de ver, em pouco tempo tem feito muita coisa em prol da Cultura angolana e muita coisa ainda vai fazer porque é uma pessoa que tem essa visão estética, ampla e feminina. E a arte está muito perto do feminino. De certeza que teremos dias brilhantes para os músicos e para os artistas em geral.

JA: Qual foi a sua experiência mais marcante?

WB: O assassínio brutal do meu primeiro filho. Não há coisa mais marcante para mim do que ter perdido o meu filho. Era um rapaz de ouro, tocava comigo em casa. Esse queria seguir os meus passos. Mas enfim, está a tocar no céu com a orquestra celestial. Nem gosto de falar sobre isso. O momento mais marcante no campo da música foi quando ganhei o AWARD nos EUA, e agora quando o meu nome foi incluído no livro das mil músicas que se devem ouvir antes de morrer, ao lado de vários artistas do mundo, com a sugestão de Tom Moon, grande escritor norte-americano que incluiu a minha música no seu livro, onde estão os Beatles, Bob Marley, Bethoven, Jimmy Hendricks. Senti-me gratificado.

JA: Para quando o seu próximo disco?

WB: Vou correr contra o tempo para, em meados de Junho, colocar cá fora o disco. Sabe que quando se está grávido, há uma necessidade enorme de colocar o bebé cá fora, porque senão fica uma ansiedade muito grande.

JA: Como foi recebido no país? Qual é a reação das pessoas à sua presença?

WB: Paz, sorriso e esperança. Vejo que as pessoas estão todas a caminhar nos seus projectos e à espera de dias melhores. Vejo uma grande preocupação do Governo em melhorar a vida das populações. É de louvar. Gostei sempre de estar na minha terra e é como digo sempre: mesmo que na minha terra só existissem pedras, seria sempre minha. Estar na minha terra é encontrar-me comigo mesmo.

JA: Como é o seu quotidiano em Los Angeles?

WB: No estúdio. Quando posso faço ginástica e vou ver o mar, mas passo mais tempo a compor e já tenho algumas músicas em filmes como o “Sweepers - Missão em Angola”, feito em Hollywood e, aproveitando a minha estada lá, estou a tentar fazer música para cinema.

JA: Lembra-se da sua primeira letra?

WB: Nunca cantei a minha primeira letra. Tem como título “Os meus tempos de candengue”. Tenho músicas que vão sair agora neste disco, que têm 35 anos. Vou gravá-las agora. Nunca foi minha intenção guardá-las, mas acho que se tratou de um processo de maturação espiritual. Vai ser um disco muito querido porque tem músicas profundas.

JA: Alguma vez caiu nas garras da Pide?

WB: Sim. A música “Velha Xica” foi escrita quando saí da cadeia da Pide, porque se concretizou pela negativa o que a minha avó dizia. Fui preso no Huambo com dois amigos, o Vitorino Borges da Cunha e o Carlos Saraiva, acusados de subversão contra o Estado Português.

JA: Mas prenderam-nos baseados em quê?

WB: A Pide não precisava de se basear em nada. Simplesmente prendia e depois arranjava argumentos.

in "Jornal de Angola"


Campo Minado - (Sweepers)
EUA - 1998
Participação Musical - Waldemar Bastos - "Sofrimento", "Muxima" e "Querida Angola"
Este é um filme de acção com tema super actual: os campos minados de Angola, tão combatidos pela princesa Diana antes de morrer. Dolph Lundgren, interpreta Christian Erickson, um soldado especializado no desarmamento das minas, marcado pela morte do filho em um desses territórios. O trabalho de Christian (Lundgren), não pode parar e logo ele é procurado por Michelle (Clarie Stansfield), expert do esquadrão anti-bombas, enviado à Angola para desvendar os mistérios em torno de um novo armamento. A novidade tecnológica, chamada A-6, acaba de ser utilizada em um atentado a um senador nos EUA. Juntos, Christian e Michelle vão descobrir que há muito por trás de toda essa violência. Há mais ganância, ...

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